Oscar trabalhou na prefeitura de S. Caetano do Sul como assessor de educação e cultura, chefe de gabinete do prefeito por duas vezes, procurador jurídico. Foi primeiro diretor de educação e cultura e presidente da Fundação das Artes. Foi professor e diretor geral do IMES. Em 2005, tornou-se coordenador do Centro de Documentação e Memória do IMES, sendo membro vitalício do Conselho Superior do IMES. |
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Depoimento de OSCAR GARBELOTTO, 72 anos.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 04 de julho de 2005.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores: Priscila F. Perazzo e Danielle Barbosa.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta: Por favor comece falando a data e o local de seu nascimento e conte um pouco sobre a sua infância, sua família, suas tradições.
Resposta:
Nasci em São Caetano do Sul, no dia 13 de dezembro de 1932. Gosto de falar que nasci na Rua 28 de Julho, que foi uma das primeiras ruas da cidade. Sou filho de Artur Garbelotto e Tereza Pinto Garbelotto. Meu pai também é brasileiro, filho de brasileiro, e neto de imigrantes italianos, que chegaram aqui em 1877. Minha mãe é italiana de nascimento, veio para cá ainda muito jovem, se radicou em São Caetano e eles se casaram em 1929. Você pediu para falar alguma coisa da infância. Gostaria de destacar em primeiro lugar a importância que meus pais tiveram na minha infância, até na minha formação cultural. Meu pai era um artista de teatro, não teatro profissional, claro, porque naquela época eram poucos, mas era um amante do teatro amador aqui em São Caetano e ele militava no São Caetano Esporte Clube, que existe até hoje, fundado em 1914, onde ele militava como artista amador. Minha mãe o seguia bastante. Meu pai era um homem bastante culto e que gostava de música, de teatro, como disse, e duas coisas marcaram sobremaneira a minha infância na questão cultural. A primeira vez que fui a um teatro, em São Paulo, fui ao Cine Teatro Colombo, no Brás, e fui assistir a uma peça com Procópio Ferreira. Nos dias de hoje todo mundo sabe quem foi, e era uma das peças mais importantes de Procópio Ferreira, que foi "Deus Lhe Pegue". Foi a primeira peça de teatro que assisti e isso me marcou bastante. Meu pai gostava também de óperas e quando tinha 9 anos ele me levou ao Teatro Municipal para ver o que era uma ópera. Eu não sabia nada o que era isso e lá fui eu ao Teatro Municipal assistir. Era "La Traviata". Foram dois momentos que me conduziram a ser amante das artes, da cultura de um modo geral. Essa experiência eu passei também para as minhas filhas. Elas se tornaram também a mesma coisa, usando a experiência do meu pai, o caminho que meu pai me indicou. Eu mostrei o que era e depois perguntei se gostaram. Mas acho que isso marcou bastante a minha infância. Minha infância eu acho que foi comum, como todas as outras, das outras crianças da época. Eu morava na 28 de Julho, bem próximo ao Largo da Matriz, Matriz Velha, como nós chamamos, e lá naquele largo nós tínhamos o nosso futebol das tardes. E foi muito ruim a partir de uma época em que o largo, antes de terra, a Prefeitura resolveu colocar paralelepípedo, e a nossa tristeza foi grande. Nessa época, essa passagem, a gente pode encontrar num professor da casa, o professor Laurito, que também era meu companheiro de infância e nós começamos a quebrar as unhas, porque nós jogávamos descalços, no paralelepípedo do Largo da Matriz. O que nós fazíamos? Brincávamos. As noites eram muito tranqüilas, as ruas pouco iluminadas, mas elas permitiam uma brincadeira com toda a garotada, eram tempos bons onde nós podíamos ficar nas ruas, as famílias sentadas às portas e nós ficávamos brincando com aquelas brincadeiras infantis tradicionais, barra-manteiga, mana-mula e aquelas brincadeiras que as crianças fazem. E brincavam meninas e meninos e era tudo igual. As noites passavam gostosamente.
Pergunta: E a escola?
Resposta:
Sim, depois teve o Grupo Escolar Senador Fláquer, onde fiz o primário. Nessa linha escolar primeiro eu fiz o grupo escolar, na Rua Luiz Pamplona. O diretor da época, de saudosa memória, era José Bonifácio Fernandes. Depois do grupo escolar eu tinha de optar por um ginásio. São Caetano não tinha ginásio na época. A única escola, que tinha sido fundada dois ou três anos antes, era o Instituto de Ensino. Mas o Instituto de Ensino não tinha o que eu queria, que era o ginásio. Lá só tinha o curso comercial. Eu não queria ser contador, queria ser algo mais. A única opção era ir para São Paulo. Fui para São Paulo, ainda jovem, com meu pai, e escolhi um colégio. Primeiramente nós fomos a colégios religiosos, Colégio do Carmo, Colégio São Bento, mas a opção do meu pai foi o Colégio Anglo-Latino, que fica lá na Rua São Joaquim, não existe mais, mas era um colégio tradicional na época. E eu, desde a tenra idade, meu pai foi me levar pela primeira vez, o caminho é este e agora você faça sozinho. Eu devia ter aproximadamente uns 10 anos. E lá estava eu no Colégio Anglo-Latino, entrando às sete horas da manhã. Imaginem ir de São Caetano até lá como era. Tinha de acordar quatro e meia da manhã.
Pergunta: Como o senhor ia para lá?
Resposta:
No começo era de trem. Tinha duas oportunidades de trajeto. De São Caetano até o Ipiranga e depois pegava um bonde que subia a Lavapés, Rua da Independência, Rua da Glória, até chegar na Rua São Joaquim, ou fazia o outro sentido, ia até o Brás e de lá pegava um bonde e esse bonde ia até onde hoje é a Praça Clóvis Beviláqua e de lá pegava outro bonde que descia a Rua da Glória, passando pelo Colégio São José e logo depois era o Anglo-Latino. Foi uma época gostosa. Você fazia o ginásio e depois o colegial estudando de manhã, entrando às sete e dez da manhã em São Paulo. Posso contar para vocês que era um tempo diferente. Você chegava em São Paulo e ainda estava escuro. Nessa época tinha muita neblina. Não era como é agora. Você saía com neblina aqui e chegava em São Paulo com neblina. Quando tinha de fazer educação física, era cinqüenta minutos antes de entrar. Imagina começar a fazer educação física, ao ar livre, ainda com o sereno da madrugada.
Pergunta: Professor, mais ou menos aos seus 10 anos, foi o período da guerra, da Segunda Guerra Mundial, em 1942. Você tem alguma lembrança de como era vida dos humildes e vocês, como descendentes de italianos, sofreram alguma coisa?
Resposta:
Não sofremos absolutamente nada. Não havia pressão a esse respeito porque havia uma questão de Estado. Meu pai era comerciante e naquela época tinha também um restaurante. E lembro que tinha o treinamento de black-out. Você tinha de fechar todas as portas e janelas, etc., tanto quanto possível, e se não fosse possível, tinha de colocar um pano preto na janela. E durante determinado tempo, que não sei precisar quanto, nós ficávamos em completa escuridão, todo mundo. E aquilo era fiscalizado. Os rapazes do Tiro de Guerra fiscalizavam todas as ruas para ver se não tinha algum problema. Logicamente era para evitar um eventual ataque aéreo a São Caetano do Sul. Racionamento tinha, mas lembro particularmente de racionamento de farinha. Tinha aquela história de ter de comer pão preto porque não tinha farinha de trigo, que era importada naquela época, então faltava farinha e pão. Mas o que mais lembro foi o dia que acabou a guerra. Isso me marcou. Nós estávamos reunidos no bairro e naquela época tinha carroça e tinha um cidadão antigo, Marco Aurélio, ele pegou uma carroça, colocou toda molecada em cima e saiu passeando pelas ruas dizendo: Berlim caiu, a guerra acabou. E fomos todos na carroça brincando alegremente pelo fim da guerra.
Pergunta: E a sua juventude em São Caetano, cinemas, bailes, outro tipo de lazer, como foi a sua entrada na faculdade?
Resposta:
Posso dizer um pouco antes e um concomitante à faculdade. Eu fui muito ligado à igreja, fui Cruzado Infantil que se chamava, depois fui Congregado Mariano, que foi uma grande escola de vida para mim por todos esses anos. Nessa época os marianos não podiam freqüentar bailes. Eu não gostava de bailes e até tinha umas brigas com a minha irmã porque ela gostava de bailes. Eu me lembro que eu era classificado como o chato que pegava no pé da irmã porque ela ia aos bailes. Mas com o tempo também comecei a gostar de bailes. Depois que entrei na faculdade, eu saí da Congregação Mariana e fui conhecer um bocado do mundo, do outro lado. Posso dizer que tive uma juventude muito agitada, na parte esportiva e na parte social. Eu comecei a freqüentar bailes e gostei da experiência. E na parte esportiva, sempre gostei muito de esporte. E se no tempo da Congregação Mariana, um esporte muito difundido, não era tênis de mesa, mas era pingue-pongue, eu pertencia à seleção de São Caetano, disputamos campeonatos regionais, fomos campeões e participava muito dessa atividade de esportes. Logo a seguir, isso já em 1948, eu comecei a freqüentar, às noites, porque estudava de manhã, o São Caetano Esporte Clube, cuja sede era na Rua Perrela ainda, e lá começamos a jogar basquete. Lá tinha o nosso treinador e jogamos no infantil. Começamos no infantil, depois o juvenil e terminei a minha carreira no basquete já na equipe adulta, disputando o campeonato paulista, mas por um problema médico, ósseo, nas costas, o médico me proibiu de jogar basquete. Troquei de esporte e fui para o vôlei. Também joguei muitos anos, até me tornar técnico de voleibol. A minha juventude foi muito agitada. Foi uma seqüência interessante. Envolvendo-me com o esporte, me envolvi também com a Comissão de Esportes, onde era diretor de departamento. Cheguei a ser presidente da Comissão de Esportes em 1967, se não me engano, por dois anos. Nessa época, a década de 60 foi muito agitada. Eu sempre gostei muito da agitação, então da Comissão de Esportes acabei sendo presidente de um clube, Centenários, um clube de voleibol, e presidente do Centro Acadêmico de São Caetano. Vocês talvez não entendam, Centro Acadêmico de São Caetano, mas nós não tínhamos faculdade nenhuma aqui. Mas dada essa ausência de escolas superiores aqui, o que nós fazíamos? Tínhamos muitos universitários aqui. Nós nos reuníamos, todos os universitários, de todas as escolas, da USP, da Politécnica, do Mackenzie, todos os alunos, e formamos uma associação, à qual demos o nome de Centro Acadêmico de São Caetano do Sul. Eu, naquela circunstância toda de agitação, acabei sendo presidente dessa também, em 1966, 1967, por aí. E foi uma época muito interessante. Eu estou pulando as datas. Isso foi na década de 50, tanto a Comissão de Esportes, porque em 1967 eu já era casado e não participava dessas coisas todas. Isso aconteceu entre 1955 e 1957, quando tinha vinte e poucos anos. Participei de tudo isso. Uma coisa que marcou muito São Caetano, que deu uma expressão regional, foi quando o Centro Acadêmico liderou um movimento estudantil aqui que acabou levando às ruas, segundo estimativas dos jornais da época, cerca de 30 mil pessoas. Foi um movimento estudantil popular que lembra coisas de hoje, quando os Vereadores de São Caetano do Sul, não posso dizer na calada da noite, o chavão, porque foi na calada da manhã, eles faziam reuniões à noite, mas naquele dia eles fizeram uma reunião escondida pela manhã, e aumentaram os próprios subsídios, e por azar deles, nós descobrimos. Um dos acadêmicos presenciou isso tudo e começou um movimento. Foi um movimento muito interessante, porque ele surgiu de uma forma tão espontânea em São Caetano, que colocou junto os estudantes secundários, que eram liderados pelo Buat Sagar, que era diretor do Grêmio 28 de Julho, que era dos estudantes do Bonifácio Carvalho, escola estadual. Todo aquele volume do colégio estadual veio junto e fizemos uma passeata chamada Passeata do Silêncio. Nosso negócio não era fazer briga, fazer baderna, era protestar silenciosamente, e conseguimos fazer isso, sem medo. Fizemos um movimento com caixões, para fazer um enterro, todos com roupas pretas. E um dos diretores do centro acadêmico era filho de um dono de uma fábrica de velas que tinha aqui no centro de São Caetano, e ele deu de presente caixas e caixas de velas para nós. E todos aqueles estudantes, saindo do Bonifácio de Carvalho, percorrendo todas as ruas centrais de São Caetano, passando em frente de onde era o Cine Max, perto da Matarazzo, onde era a sede do centro acadêmico. A sede foi enfeitada com uma placa enorme, com caracteres de defuntos, dizendo o nome de todos os Vereadores que tinham votado favorável a isso. Tinha dois ou três que não tinham votado e não estavam lá. Estavam todos os nomes lá, em letras garrafais, para a população saber quem tinha sido. Foi um negócio tão espontâneo e tão grande. Quem se lembra, nessa época tinha aquelas procissões de sexta-feira santa, e lá tinha trinta mil pessoas, segundo os jornais. A população aderiu a isso. Nós terminamos o cortejo na Praça Portugal, onde nós colocamos os caixões. Aliás, foi o único pedido do delegado de polícia, para não colocar fogo nos caixões. Nós botamos fogo nos caixões. Teve tanta aceitação aquele movimento, eu era estudante de direito, então eles foram conversar com o delegado da época e explicamos a situação. Nós queríamos garantia, queríamos policiamento para não deixar infiltradores fazerem baderna e nós fizemos um protesto silencioso. Tanto ele, como o capitão Borges, que era da PM de São Caetano, que até hoje mora em São Caetano, e é aposentado, testemunharam esse aspecto. Eles deram toda a garantia. Garantia silenciosa. Tanto é que não houve baderna naquela passeata. Mas quando fomos ao delegado, ele perguntou como a gente ia fazer os caixões. A gente falou que íamos fazer uma coleta. Quanto custa cada caixão? Custa tanto. Ele tirou a carteira do bolso e disse: O primeiro é meu. Isso ajudou muito o movimento.
Pergunta: Você fazia parte do grêmio?
Resposta:
Eu tinha recém saído. Foi em 1957.
Pergunta: O senhor se lembra de alguma coisa da emancipação?
Resposta:
Sim. Principalmente no Bairro Fundação, onde aconteciam muitas coisas em São Caetano, e que hoje está muito abandonado, mas naquela época era o bairro onde tudo acontecia em São Caetano do Sul, tanto é que os dois dos três fundadores do Jornal de São Caetano, Rodrigo e Neves, eram moradores do Bairro Fundação. Eles fundaram o jornal e foi o jornal que começou a levantar todos os problemas do Bairro Fundação e de São Caetano, para a emancipação. E tudo surgia lá. Tinha vida, uma efervescência política muito grande, enfim, lá se poderia dizer que estava o coração que pulsava São Caetano. Eu também assimilei todo esse amor por São Caetano, esse orgulho por São Caetano, e participei de tudo isso, estava no meio das coisas. Meu pai era o centro efervescente disso tudo. Ele fazia jantares e eu estava sempre no meio desse pessoal. É natural que eu tenha crescido e tenho um orgulho muito grande de ser descendente de um fundador de São Caetano e tenho São Caetano dentro de mim até hoje. Esse movimento começou forte lá. Eu tinha uns 7 anos de idade, e participei. Onde tinha comício, eu ia atrás, quando vinha alguém de São Paulo, Cunha Bueno e outros mais, para fazer as palestras ali no salão do São Caetano; eu estava presente a tudo isso. Quando chegou o momento de cadastrar eleitores para votar, lá vou eu, com uma pastinha embaixo do braço, com uma pessoa maior de idade, que era o Jeremias Perrela, que era meu companheiro, eu ia atrás dele para cadastrar. Eu lembro que fiz o recadastramento na Rua Espírito Santo, de ponta a ponta. Cadastrava e eles recebiam um título para poder votar no dia do plebiscito. Participei ativamente, até no cadastramento de eleitores. Meus familiares, meu pai participava recadastrando, ele estava intensamente junto com o pessoal.
Pergunta: (Inaudível)
Resposta:
Eu entrei na PUC, que era uma clínica, a PUC de São Paulo e de Campinas, uma coisa só. Quando chegou no terceiro ano falaram que a PUC de Campinas tinha se tornado independente. Os alunos que estudavam aqui tinham de ir estudar em campinas. Aquilo, no primeiro momento foi um choque. Mas os professores deram as mãos e descobriram que era muito mais fácil eu chegar em Campinas. Eu descobri que tinha um trem, uma litorina, de três vagões, que saía de Santo André, parava em São Caetano, Brás, Barra Funda, Vinhedo, Valinhos e Campinas. Esse trem saía de São Caetano dez para as sete da manhã e eu demorava exatamente uma hora para chegar em Campinas e a faculdade era a cinco minutos, de bonde. Eu chegava em Campinas dez para as oito e oito horas estava na escola. Quando terminava as aulas, em uma hora estava em São Caetano. Terminava a aula meio-dia e uma hora estava em São Caetano. E quando vinha da PUC, da Rua Monte Alegre até aqui, demorava duas horas, porque tinha de pegar um ônibus até um local, andar um pouco até pegar outro ônibus. Era uma alegria muito grande ter essa litorina, onde ninguém podia ir de pé, mas só sentado, lugares numerados, sem problema nenhum. Eu pude estudar na PUC de Campinas, sem problema algum, e continuar toda a atividade que tinha. Eu trabalhava num escritório em São Paulo naquela época.
Pergunta: O curso que você fazia era qual?
Resposta:
Direito. Foi onde conheci o Milton Andrade, que foi meu colega de turma em Campinas. Depois nos encontramos aqui em São Caetano, quando ele veio trabalhar aqui, não como advogado, mas na GE.
Pergunta: Você teve alguma participação na Fundação das Artes?
Resposta:
Eu não sei bem, mas quem pode contar mais disso, quando vocês entrevistarem, é o Cláudio Musumeci. Ele que fez com que eu ingressasse na carreira pública. Um dia perguntei por quê. Ele falou: Você apareceu tanto naquele centro acadêmico, era tão conhecido lá, que quando Prefeito quis colocar alguém na Prefeitura para chefiar um recém criado, uma chefia de educação e cultura, eu pensei em você porque você tinha sido muito atuante no centro acadêmico. Não somente nessa parte, mas fiz outras coisas interessantes. Até na vida social de São Caetano participei. E sem querer meu nome apareceu, onde o Cláudio me levou para a Prefeitura, onde fui chefiar uma seção de educação e cultura. Antes disso, outra coisa que me apareceu, o Prefeito Massei, por dois anos seguidos, me convidou a proferir o discurso, em nome da municipalidade, num famoso evento que ocorria sempre no dia 28 de julho. E vocês sabem que 28 de julho é a data de fundação de São Caetano e naquela época tinha uma tradição muito grande, onde o pessoal se reunia no Bairro Fundação, fazia-se uma missa campal, com muita gente participando. A Prefeitura investia muito nisso. E por dois anos seguidos eu que falei em nome do Prefeito, que era a tradição. Alguém, ligado a uma das famílias fundadoras de São Caetano, tinha de falar lá. Eu fui escolhido por dois anos seguidos e fiz um discurso. E lá fui eu chefiar o departamento de educação e cultura. Nesse departamento fiquei pouco tempo, mas foi importante porque conheci o José de Souza Martins. E o Massei queria fundar um museu de São Caetano e eu era o chefe de educação e cultura...
... E lá a gente fazia reuniões, e tal. Conclusão: fizemos o museu, o Martins foi escolhido como primeiro diretor do museu. Saímos à rua para coletar peças para o museu. Nós fomos às famílias tradicionais de São Caetano, ganhamos a confiança deles, e eles começaram a doar materiais. Fizemos um belíssimo museu ali na Rua Baraldi, na parte de baixo e o museu foi inaugurado em 1960. Isso marcou muito. Logo em seguida, antes da inauguração até, o Prefeito me levou para a chefia do gabinete, e lá fiquei um ano, até terminar o mandato do Massei, em março de 1961. Nessa época nós mudamos o Paço Municipal que era no Cine Vitória, para esse da Goiás, que foi construção do Prefeito Massei. Um mês antes da transferência para o novo Prefeito, o Campanela, nós mudamos para lá. Participei bastante dessa mudança.
Pergunta: O senhor era Secretário de Educação?
Resposta:
Era chefe de Seção de Educação e Cultura.
Pergunta: Qual era a estrutura?
Resposta:
Estava atrelada à diretoria da administração. Existia diretoria de administração, da fazenda, de obras, mas não existia diretoria de educação. Essa diretoria, que é hoje o DEC, só foi acontecer quando o Braido, em 1965, foi eleito Prefeito. Aí, nesse meio tempo, tinha saído da Prefeitura com o Massei e comecei a minha carreira de advogado. Em 1965 retornei à Prefeitura como chefe de gabinete do Braido. Logo em seguida, a idéia era criar o departamento de educação, e eu fui criar o departamento. Eu fui o primeiro diretor de educação e cultura de São Caetano. Como já tinha experiência, fui para lá ser diretor.
Pergunta: E nesse meio tempo, já se falava em formar uma faculdade ou era absolutamente inviável, a Administração não tinha preocupação?
Resposta:
As coisas começaram a ocorrer exatamente nesse governo do Braido, em 1965. Sem sombra de dúvidas, o Braido iniciou o governo dele com uma sede impressionante de São Caetano crescer. E foi uma gestão extraordinária. Particularmente na educação, que era a menina dos olhos do Braido. Então, teve uma série muito grande de construções e implementações na educação, a ponto de a gente receber visitas, até em certo ponto, inesperadas, para verem o que estava acontecendo, realmente em São Caetano. Naquela época criaram até um slogan para São Caetano: São Caetano, onde escola não é problema. Em 1965 era um grande problema, porque tinha muita falta de vagas em São Caetano. A prefeitura começou a planejar a construção de prédios escolares. É claro que não competia à Prefeitura administrar ginásios, não era da competência dela, mas o Estado não investia para construir. A Prefeitura começou a construir, chamava o Estado, fazia convênio e falava que o prédio era deles. E aconteceu isso. Em prédios escolares, vou falar para você que em quatro anos construímos mais de 30 prédios escolares, a partir da pré-escola, que se chamava parque infantil, até a universidade. Eu, como diretor de educação, me reuni com o chefe de cadastro para fazer um planejamento de onde colocar esses prédios escolares. Nós sentamos e começamos a pensar. Pegamos um mapa de São Caetano e começamos a falar. Aí surgiu uma idéia. As crianças não podiam andar mais de 300 metros para chegar ao parque. São Caetano era pequena e era uma coisa que facilitava o planejamento. Com um simples compasso nós começamos a fazer as rodelas em cima do mapa de São Caetano, até encontrar os pontos que encostavam um no outro, de forma que a construção de um parque pegava uma área de 300 metros, e assim por diante. A mesma coisa fizemos com os chamados grupos escolares. Como eram para crianças maiores, já eram 600 metros de um para outro. E esse planejamento nós levamos ao Prefeito. Ele pegou o mapa e toda manhã ele pegava o diretor de obras, via mais ou menos onde estava e procurava um terreno vazio para desapropriar. Nem sempre coincidia, porque às vezes havia uma bela construção onde a gente tinha colocado o centro do compasso e não podia desapropriar. Colocava um pouco para lá ou para cá e tudo deu certo. E assim começou a construir um atrás do outro. E isso chamou a atenção. Eu me lembro que o Prefeito de São Paulo, Faria Lima, a Administração fez uma exposição, onde é a Memória hoje, que era uma garagem, nós fechamos a garagem e fizemos uma exposição lindíssima mostrando tudo que São Caetano estava fazendo. Faria Lima veio, Carvalho Pinto, que era o Governador, também. Um dia chegam a São Caetano três cidadãos. Era nada mais que o chefe da Casa Civil da Presidência da República e mais duas pessoas. Eles vieram para conhecer a realidade da educação de São Caetano, o que estava acontecendo com a educação. Passamos três dias com as três pessoas percorrendo as obras. Isso foi por volta de 1968. Eles queriam conhecer a história toda do que estava acontecendo aqui. O Governador do Estado, depois do Carvalho Pinto, foi o Sodré, em 1967. Essa foi uma época, 1967, 1968, quando os prédios começaram a ficar prontos e os grandes ginásios, e o Sodré vinha aqui quase toda semana para inaugurar um prédio. Ele não gastava um tostão do Estado, mas vinha inaugurar o prédio.
Pergunta: Essa proposta foi também na época da chamada Democracia Pão e Circo. A política de São Caetano estava de acordo?
Resposta:
De certa forma estava. O Jarbas Passarinho, que era Ministro da Educação, tinha um slogan que dizia: Educação Para Todos. Eu não sei bem. Mas a gente se baseava na realidade local. Não tinha uma preocupação com realidade nacional, porque não competia a nós. O Prefeito estava preocupado com o que acontecia aqui. Faltava vaga, vamos providenciar. Vamos proporcionar isso tudo, e vamos dar vagas para os alunos. Quando nós terminamos, em 1968 mandei fazer um levantamento em São Caetano, e os alunos de colégio que moravam aqui, isso só do segundo grau, estudavam fora. Já nessa época, ninguém estava sem vaga em São Caetano, e nós tínhamos 33% de alunos que vinham de fora.
Pergunta: De cidades como Santo André?
Resposta:
Sim, mas mais basicamente da Vila Alpina, Vila Califórnia. Vinha muita gente daí, porque tinha só um ginásio na Vila Alpina, e só. Então, o pessoal vinha para cá. Nessa época, de 1967 para 1968 que começou a surgir o ensino superior. Agora, nós já tínhamos em São Caetano a Mauá, mas da parte da Prefeitura foi doar o terreno para a Mauá e só. E não tinha mais nada. Nós começamos a dar alguns passos. O primeiro passo foi um prédio na Avenida Goiás, depois da GM, e fizemos um convênio com a Faculdade de Serviço Social, curso de serviço social superior. Por que serviço social? As circunstâncias da época indicaram que aquele era um curso muito importante para São Caetano. O segundo passo: vamos fazer um curso de administração. A Prefeitura não queria fazer um curso direto, tanto que nós fizemos um convênio com a ESAN de São Paulo, e eles fizeram um curso aqui, de primeiro e segundo ano, em São Caetano. Este prédio que está aí foi construído, planejado e construído para a ESAN vir para cá.
Pergunta: O terreno era da Prefeitura?
Resposta:
Sim. Esse prédio era só para a ESAN, para o curso de administração. Cláudio Musumeci era economista e achava que São Caetano devia ter um curso de economia. Então vamos fazer um curso de economia. Mas a solução foi outra, quem vai fazer o curso de economia é a Municipalidade. Seria Faculdade de Ciências Econômicas Políticas e Sociais, porque no meio do caminho, quando a gente estava planejando, eu era diretor de educação e presidente de uma comissão e nessa comissão nós achamos que um curso de ciências políticas, econômicas e sociais podia ser útil para São Caetano. Fizemos os dois, e um prédio inteiro para isso, que é onde está a Fundação das Artes. A ESAN começou a fazer furo no casco em São Caetano. Os professores não apareciam e os alunos muito descontentes. Esse descontentamento onde ia chegar? Até a minha mesa. Os líderes desse movimento eram Sílvio Minciotti e Mário Guedes.
Pergunta: Que eram alunos?
Resposta:
Ambos alunos da ESAN, que vinham reclamar comigo e com o Prefeito. A mensagem deles, para mim, era muito simpática. Eles queriam estudar. Eles tinham razão. Eles pediam, nada mais, nada menos, que o curso se incorporasse ao curso de ciências econômicas, que já existia no primeiro ano. Aqui começou em 1º de agosto de 1968 e ao final de agosto, já tinha o curso aqui, eles queriam mudar. Estavam num prédio provisório lá perto da Fundação das Artes. A mensagem deles, para mim, para o Cláudio Musumeci e para o Braido, era simpática. Eles queriam fazer greve de fome, mas tinham toda a razão. Até que um dia o Prefeito falou para resolver isso. Ele mandou colocar todo mundo na Faculdade de Ciências Econômicas. Mas tinha o aspecto legal, precisava rescindir o contrato com a ESAN. O Prefeito me mandou ir acalmar o pessoal na ESAN. Eu fui lá e fiz um discurso. Nós demos uma sorte grande, porque trocou o comando da associação social que era mantenedora da ESAN e passou a ser um padre, Mário Sislandi, um professor de administração, e conversando com ele, ele era flexível, e ele reconheceu que a turma andou pisando na bola, que eles não estavam fazendo a coisa correta e que ele iria assinar a rescisão. E deu tudo certo. Sob protestos de um grupo da ESAN, que tinha outros interesses, mas assinamos. Eles colocavam artigos pesados contra o Prefeito em jornais de São Paulo, mas na rescisão deu certo. A partir de 1969 eles começaram como alunos da Faculdade de Ciências Econômicas. Eu me lembro que tinha três professores lá, que nós contratamos para o curso de administração. Eram três excelentes professores que vieram parar no IMES.
Pergunta: O senhor disse que a preocupação pela economia era do Cláudio Musumeci. Mas teria tido alguma relação também, alguma influência do desenvolvimento industrial da região?
Resposta:
Sem sombra de dúvida. O serviço social a gente achava que era muito importante para a região, por causa da pobreza. Administração também, porque com o desenvolvimento industrial que a região vivia já merecia um curso voltado para administração. Quem não se lembra do milagre econômico? Naquela época todo mundo queria ser economista. De cada dez estudantes, oito queriam ser economistas, porque era o curso mais badalado. Então, nós procuramos atender o que a época apresentava como demanda, o que interessava.
Pergunta: Esses primeiros alunos eram funcionários das empresas daqui, eram de São Paulo?
Resposta:
De toda parte. Nós tínhamos alunos de São Paulo, de Santo André, da região toda. Não era só de São Caetano, muito pelo contrário. A maior clientela nossa, independente de onde residiam, era da GM. A GM foi uma coisa muito grande. Funcionários da GM vinham ser treinados aqui.
Pergunta: Tinha algum convênio com a GM?
Resposta:
Não. Nunca teve nada. A GM pagava uma parte do curso, mas não era uma rotina da GM. Era de interesse deles que os funcionários estudassem. E grande parte da nossa clientela era casada, pessoas casadas. Eram interessantes esses primeiros anos.
Pergunta: Então, as primeiras turmas não eram alunos de 18 anos? Eram alunos mais velhos?
Resposta:
Uma minoria tinha 18 anos. Muitos eram veteranos, que já tinham emprego e procuravam evoluir. Era interessante a coisa.
Pergunta: O senhor pode nos contar do início da formação da Fundação das Artes?
Resposta:
São Caetano já em 1967 tinha um movimento cultural muito intenso. Nosso departamento tinha o setor de cultura e a gente inovava sempre, fazendo coisas extraordinárias no sentido de incentivar a cultura em todos os aspectos. O Braido, já estava muito satisfeito com a educação, já tínhamos escolas de tudo quanto é jeito, já tínhamos a Faculdade de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais, administração estava lá, serviços sociais já estava lá, então a gente precisava de uma escola de música. Naquela época era muito comum conservatório de música. Então vamos lá. Aí encontrei o Milton e começamos a conversar sobre o conservatório de música. E nessa conversa saiu uma idéia de por que só música? Nós podíamos fazer uma escola de artes, uma escola de dança, de teatro. Enfim, vamos fazer uma escola mais completa. Levamos a idéia ao Prefeito e ele gostou da idéia. Aí começamos a fazer a coisa toda. Começamos a fazer o estatuto. Eu e ele sempre gostamos de criar uma escola mais independente, não muito atrelada ao Poder Público, então a gente escolheu uma fundação. O Braido gostou. E tinha um público muito influente na época que era contra, porque tinha um poder político grande. Eles eram contra. Então nós pensamos em trabalhar de uma forma tal que a idéia ficasse de uma forma irrefutável e que isso é viável em São Caetano, que tinha uma clientela que tinha uma força política muito grande. O primeiro passo foi contratar o apoio do Cláudio Musumeci, ele deu um dinheiro para a gente e nós contratamos um pequeno conjunto de música, conjunto de cordas, que se chamava Orquestra de Cordas. E pegamos gente brilhante, gente de fora, de outros estados, que se interessaram pela idéia e vieram ver essa orquestra e começamos a fazer apresentações de música clássica. Nós queríamos mostrar que aquilo era viável, importante para a cidade. Aí tivemos outra idéia brilhante. Vamos levar essa orquestra para as escolas de segundo grau. A gente ia às escolas, apresentávamos para o diretor, os músicos tocavam, a meninada sentava no chão e os músicos começavam a mostrar o violino, e assim por diante e se apresentavam. Depois o Milton anunciava que a partir do dia tal estariam abertas as inscrições para a escola de música da Prefeitura. Mais de três mil inscrições, depois de quinze dias, em cima da mesa. Mais de três mil.
Pergunta: E a estrutura estava organizada para isso ou não?
Resposta:
Não tinha nada. Mais aquele era o aspecto político que estava faltando. Levamos aquelas três mil inscrições para o Braido e dissemos que se ele estava pensando em repercussão, claro que o governo pensava na repercussão, porque não iam abrir uma escola se não tinha ninguém, mas com três mil inscrições a gente podia abrir a escola. Ele mandou o projeto para a Câmara e estava pronto para acontecer. A gente pensou em fazer um festival de música de coral dentro da Igreja Matriz. Passamos a semana inteira, de segunda a sábado, fazendo o festival. E todo dia ficou lotado. Quem ajudou muito foi Roberto Manzo, já falecido, autor da letra do Hino de São Caetano, uma pessoa muito importante em São Caetano, foi diretor da Fundação posteriormente. Nós tivemos corais de Santos, São Paulo, São José dos Campos. Isso foi muito forte, a repercussão foi muito grande. Foi tão grande que nós falamos ao Prefeito que seria importante fazer um pronunciamento, porque a casa estava cheia. Mas o Braido foi com um entusiasmo muito grande e quando ele viu aquela multidão, no encerramento ele foi falar da música e ele não agüentou e falou: Está formada a Fundação das Artes, e convido fulano de tal para ser o diretor dela. Era um dos maestros que estavam lá. Já estava tudo articulado, mas foi surpresa para o fulano. Não tinha mais impedimento político para criar.
Pergunta: Vocês tinham fotos desses festivais?
Resposta:
Não sobrou nada desses festivais. Eu tenho os programas dos grupos que se apresentaram, mas fotos realmente, no tempo era mais difícil. O fotógrafo da Prefeitura ia tirar foto, mas depois ele levava tudo para o gabinete e a gente não sabia para onde ia. Não era organizada a coisa. Se você conseguisse passar a mão, você segurava, mas desse festival não foi possível.
Pergunta: Mas os jornais da região cobriram?
Resposta:
Sim. Se você procurar em jornais antigos você vai encontrar todos os detalhes. Aí nasceu a Fundação das Artes. E onde vai ser a Fundação? O primeiro lugar foi num colégio, onde é o Teatro Paulo Machado de Carvalho. Lá ao lado tinha um prédio grande que a Prefeitura construiu, que era para ser o colégio vocacional, que nós tínhamos acertado com o Governo do Estado, que seria um colégio diferenciado e depois acabou eliminando isso. Ele funcionou durante um ano, mas depois, por razões políticas, não internas, mas mais altas, acabou o sistema, ele foi eliminado do Estado. Numa das alas nós instalamos a Fundação das Artes. Depois começamos a construção de um prédio próprio, mas a gente já estava no fim do Governo Braido e ia entrar um novo governo, novos diretores, a gente não sabia o que eles iam fazer. Foi definido que a ESAN iria incorporar a Faculdade de Ciências Econômicas e tudo iria passar a funcionar nesse prédio que se tornou o IMES depois. E lá em cima ninguém sabia o que iam fazer. Mas tinha um grupo, que não vou citar, que vai ficar para aquelas outras memórias, um grupo particular que estava interessado em ficar com o prédio. O Prefeito sabia que aquele prédio seria bom para a Fundação. E nós ficamos conversando e o Braido deixou nas entrelinhas, ocupem o prédio, mas eu não sei. Eu não sei de nada. O Milton conta isso com mais detalhes, porque eu não podia participar porque era diretor de educação e não podia oficializar as coisas. O Milton pegou um caminhão da Prefeitura, colocou as coisas nele e descarregou lá e está lá até hoje.
Pergunta: O prédio atual?
Resposta:
O prédio da Visconde de Inhaúma, que estava destinado à Faculdade de Ciências Econômicas. E o período de formação da Fundação foi um período importante para a música, para o teatro. E tivemos excelentes profissionais lá. O maestro que é da orquestra da São Caetano é ex-aluno da Fundação. O maestro da orquestra de Santo André também foi aluno de lá, fora os vários atores globais que foram alunos lá.
Pergunta: Agora vamos para o IMES. Depois da formação do IMES, em 1968, como caminhou a sua relação com a instituição?
Resposta:
Em 1968 o Prefeito fundou a instituição, terminando o governo no começo de 1969 e eu vim para cá como professor de direito. A minha relação começou nessa época. Cláudio Musumeci era diretor e foi diretor até uns dias após o término do governo. Na verdade ele teve problemas políticos com o Prefeito Massei, porque ele tinha sido, desde o primeiro governo do Massei, uma espécie de homem forte, Secretário de Fazenda, e ele saiu num determinado momento. O que ocorreu aqui? A congregação indicava três professores para ser diretor e o Prefeito escolhia um dos três. Mas ocorreu naquela época que o Cláudio tinha um mandato de quatro anos como diretor e ele tinha um vice-diretor que era atuante. Mas ele foi esquecido. Se o diretor pede demissão, o vice assume. Esse vice-diretor foi esquecido. Até hoje é uma história muito esquisita. O que era secretário da escola, de repente, aparece como diretor nomeado. Tinha alguma coisa. Mas todo mundo deixou por isso mesmo. Esse diretor ficou os quatro anos. Nesse ínterim, ele fez uma fundação, mas não naqueles moldes anteriores, como a gente usava. Era uma fundação mais ou menos privada. O IMES se tornaria uma fundação. Tinha seus méritos? Até tinha, mas o Prefeito que estava por vir novamente, tinha sido eleito, que era o Braido, achava que queriam tomar alguma coisa a mais do que deviam. E ele demorava a fazer essa fundação. Essa fundação saiu no final do governo do Massei e atingiu o final de 1972, para 1973. Aí entrou o Braido e a primeira coisa que ele fez foi anular tudo que tinham feito. A fundação volta ao regime autárquico. Acabou com a fundação. Aí não tinha mais diretor na escola, porque era fundação e não tinha mais diretor. Eu fui nomeado pelo Prefeito interventor na faculdade. Eu era da Prefeitura. Tinha de ser professor e eu fui ser interventor, com um prazo de 60 dias para fazer a eleição. Isso foi para o Conselho Estadual de Educação, essa escola toda, e em menos de 30 dias nós convocamos outra eleição, agora nos trâmites legais, como tinha de ser, com a congregação, representantes de alunos e funcionários. Eu figurei na lista tríplice como professor mais votado e o Braido me indicou definitivamente no dia 17 de fevereiro de 1973. Eu passei a ser o diretor do IMES.
Pergunta: Ficou até 1976?
Resposta:
Fiquei nos quatro anos do Governo Braido.
Pergunta: E quais eram as características da sua administração?
Resposta:
Eu fiz um saneamento econômico que era muito necessário. Qualquer estabelecimento, qualquer comércio ou indústria, quando a despesa é maior que a receita, você precisa cortar alguma coisa. Fiz muitos cortes. Se até 1973 a Prefeitura ainda dava uma quantidade de dinheiro ao IMES, que vinha do orçamento anual, a partir de 1974 a Prefeitura não podia dar mais nenhum centavo. A escola ficou auto-suficiente. Mas era porque aumentamos a mensalidade? Não. Sacrificaram os professores? Não. O IMES sempre teve uma política boa de salários e também as mensalidades não são tão caras. A diferença foi na prestação de serviços. Nós começamos a criar coisas para dar renda ao IMES. A primeira coisa que nós inventamos foram rápidos cursos extracurriculares. E quem começou isso comigo foi o atual reitor, que me ajudou a organizar. Os cursos começaram a chamar a atenção dos alunos. Era aberto a pessoas de fora, empresários, que vinham e pagavam os cursos e isso começou a dar renda ao IMES. Esse foi o diferencial e a coisa cresceu. Isso começou comigo, mas outros fizeram muito mais, fizeram o IMES dar passos mais importantes. Foi uma das características. Nós demos o pontapé inicial na forma de se arrecadar mais do que se gastava. Sistematizamos todos os vestibulares. Pela primeira vez, em 1974, nós fizemos um vestibular para informática. Quem é mais antigo lembra que eram aqueles cartõezinhos perfurados. Era meio complicado. Cada aluno recebia um daquele e marcava. Foi uma dor de cabeça, mas foi uma salvação, porque ninguém podia reclamar de nada. Não tinha possibilidade de pedidos extras, então tudo ficava bem claro quem era quem. Eram aquelas folhas enormes de computador.
Pergunta: E o sistema era daqui de dentro?
Resposta:
Não. Nós não tínhamos. Nós abrimos concorrência para as empresas. Uma empresa que fez muita coisa na minha gestão foi a Sepd, que existe até hoje. Aí criamos o curso de comércio exterior e pedimos mais dois cursos, que não foram considerados pelo conselho, porque acharam que era ultrapassado, e que ciências contábeis e outro que era novidade, que só tinha um curso em São Paulo, que era informática. Então o conselho achou que seria melhor não fazer. Anos depois fizemos e ficou bom. Nós estamos inovando. Comércio exterior foi o segundo curso do Brasil instalado, mas já tinha um currículo formado. Depois deixei a escola bem tranqüila. Criamos essa dicotomia de comando, que não existia antes. Existia um vice-diretor, que não fazia nada. Então, nas discussões todas acabamos dividindo as coisas. Eu cuidava da parte administrativa, o reitor cuidava da parte didática e o vice-diretor cuidava da parte didática e de uma forma se preparava para ser diretor. O meu vice-diretor, que era o Cláudio Dallanese foi eleito diretor. Naquela época não existia eleição. Quando estava no fim da minha gestão, já existia outro Prefeito e quando ele entrou faltava uns 15 dias para terminar o meu prazo. Eu fiz uma carta e coloquei meu cargo à disposição. Ele perguntou quando terminava e eu falei que seria no dia 17. Ele me mandou ficar até o final. Dias depois veio um emissário aqui, que tinha sido um secretário da faculdade, muito eficiente, e era assessor do Mariano. Ele chegou para mim e falou: Tenho uma notícia para você. O Prefeito quer que você continue na direção. Não é fácil ser diretor daqui. Eu falei que a lei federal impede que eu me candidate, porque não existia reeleição. Tive de explicar para o Prefeito por que não podia. Ele ficou chateado, mas falei que não era uma recusa pessoal, mas a lei não permitia. Ele falou para eu ajudar a encontrar alguém. Eu falei que ajudava, mas ele não ia gostar do sobrenome dele. Quando ele foi candidato, o outro candidato era Antonio José Dallanese e o candidato aqui, meu vice-diretor, era Cláudio João Dallanese. Eles não tinham parentesco. Era o candidato natural, uma pessoa decente. O Prefeito pediu uns dias para pensar. Quando ele me chamou para conversar, ele falou que o pai do Cláudio era fulano de tal e quando ele veio do Nordeste de pau de arara, esse homem foi quem me deu o primeiro emprego na General Motors. Eu agradeço muito pelo que ele me fez na vida. E ele aceitou o Cláudio.
Pergunta: Foi a única gestão do senhor no IMES?
Resposta:
Foi. Eu não quis mais. Continuei como professor.
Pergunta: O senhor é aposentado pelo IMES?
Resposta:
Sou aposentado pelo IMES, mas continuo trabalhando.
Pergunta: O senhor sabe da história da Estátua de São Pedro?
Resposta:
A história nasceu naquele primeiro Governo Braido, quando o assessor de comunicação da Prefeitura deu a idéia para o Braido retribuir o presente que o Papa tinha dado ao Brasil, a Rosa de Ouro de Nossa Senhora Aparecida, para fazer um presente para o Papa. O presente seria uma estátua de São Pedro. O Alécio foi lá para o Paraná, para uma cidade chamada Cianorte, com um arquiteto e escultor escolher uma tora de madeira enorme. A companhia que explorava madeira na região de Cianorte mandou a tora para a Prefeitura e ela foi colocada na frente de onde era o Paço Municipal, aqui na Goiás. Fizeram uma cobertura e o arquiteto ficou esculpindo lá. Mas aí terminou o Governo Braido e o sucessor não quis saber da estátua. Aí mandou a estátua para a Praça da Sé, para ficar lá um mês e a estátua foi esquecida e ninguém mais quis tirar a estátua de lá. Aí a Prefeitura de São Paulo fez um processo administrativo e solicitou que São Caetano retirasse a estátua. Não retiraram e colocaram a estátua atrás do Parque do Ibirapuera, numa sementeira e jogaram a árvore no chão. Aí volta o Braido, no terceiro mandato dele, ele me mandou, eu era o diretor do IMES nessa época, em 1973, e fui atrás da estátua. A estátua foi achada lá, toda estragada. Aí chamaram novamente o escultor, ele arrumou a estátua. Uma vez reparada, a estátua veio para cá. Aí já era 1975 e a Prefeitura ia trazer a estátua mas não sabiam onde colocar, porque o Papa não quis mais isso. Um abraço. O diretor da Prefeitura disse bem: Vocês querem dar um presente, mas o Papa aceitou? Não tem aceitação. Mandaram uma carta para o representante do Papa em Brasília e ele respondeu muito educadamente que muito obrigado, mas não queriam. Iam colocar onde no Vaticano essa estátua? Nem nos jardins do Vaticano caberia. Ninguém sabia onde colocar. Eu fui falar com o Prefeito que tinha um bom local, no jardim em frente ao IMES. Ele mandou colocar no IMES e está até hoje. Tornou-se um símbolo do IMES essa estátua.
Pergunta: Está fazendo 30 anos aqui.
Resposta:
Tornou-se um símbolo do IMES.
Pergunta: Professor, normalmente a gente pede para o entrevistado deixar uma mensagem, de alguma fase da sua vida, de algum assunto que queria deixar registrado. O senhor tem mais alguma coisa a dizer?
Resposta:
Eu acho que se vocês se interessarem, em outra oportunidade podemos entrar em assuntos mais particularizados com vocês, os quais eu participei, desde a criação da Fundação Pró-Memória, que é muito importante. Foi uma aspiração muito grande, atendendo a pedidos do Prefeito Tortorello, na sua primeira gestão. São detalhes que a gente poderia complementar. Acho que é muito válido o trabalho que vocês estão fazendo. Eu sempre fui um batalhador por essas questões culturais e particularmente da memória de São Caetano, de tudo que abrange a memória. Por isso que sempre insisto na coleta de dados. Na verdade, o que vocês estão fazendo faz muito bem às pessoas. A partir do momento em que vocês pedem para as pessoas contarem as suas coisas, a sua vivência, vocês estão dando uma dimensão muito grande à própria vida da pessoa. Quero parabenizar a todos vocês por esse trabalho muito importante, que espero que continue, porque vocês vão ter sempre a oportunidade de ver a alegria nos olhos das pessoas. Muito obrigado e parabéns.